TEMPOS COMPLICADOS PARA O “FARDO”

O negócio da venda de roupa usada em Angola, conhecido como “fardo”, tem vindo a declinar por vários factores, como o aumento das taxa de importação e a falta de divisas, segundo alguns operadores.

Por Nisa Mendes (texto) e Ampe Rogério (foto) / Lusa

Para quem queira comprar roupa usada, pelo menos na província de Luanda, capital do país, não é difícil encontrar nas ruas mulheres sentadas em passeios com as roupas expostas no chão ou nas paredes, havendo também quem opte por “zungar” [venda ambulante] com as vestimentas penduradas em cabides.

Na cidade de Luanda, os clientes vão comprando roupas e sapatos com preços mais módicos, fazendo as provas como se numa boutique estivessem.

A oferta vai aumentando na periferia, do vestuário para adultos e crianças, incluindo roupa íntima, até meias, sapatos, malas para senhoras, mochilas para crianças, cintos, artigos para o lar, como roupas de cama e de banho, almofadas, cortinas, loiças, bijuterias, quadros, brinquedos, vestidos de festa e de noiva, entre muitos outros produtos.

A venda de “fardos” está cada vez mais sofisticada, e além das ruas e praças, a sua comercialização é feita também através das redes sociais, com a possibilidade de entrega ao domicílio, geralmente publicitada por influenciadoras digitais.

Este negócio, existente há vários anos em Angola, é sobretudo dominado por cidadãos estrangeiros, que importam as mercadorias de países da Europa, América e Ásia, essencialmente produtos usados, alguns ainda com etiquetas por nunca terem sido usados pelos seus anteriores donos.

Mas segundo os operadores, nos últimos dois anos, o negócio “vai mal”, como se queixou à Lusa Abdul Magza, gerente de um dos armazéns situado no município do Cazenga, arredores de Luanda, na antiga Indústria Fosforeira de Angola (IFA), considerada a zona onde se pode encontrar os produtos de maior qualidade.

Sobre os lucros e valores arrecadados com este negócio em Angola, que está entre os países africanos que mais importam roupas usadas, os empresários preferem não avançar números.

Abdul Magza, cidadão libanês, há cinco anos neste negócio, diz que “tudo mudou”, referindo-se aos preços que aumentaram, devido à variação cambial, encontrando agora mais dificuldades para revender os produtos.

“Está a ficar difícil para quem vem comprar para revender, não está a dar certo”, disse Abdul Magza, lembrando que anteriormente todas as semanas descarregavam contentores com 500 a 600 “balões de fardo” (pacotes de roupa usada para revenda), provenientes do Dubai.

Mas, agora, chega a ficar quatro meses “sem novidades”, o principal segredo, e o mais atractivo, deste negócio.

Essa dificuldade para adquirir o produto foi confirmada por Catarina Costa, 48 anos, há 20 anos a comercializar “fardo” proveniente do Canadá, Turquia, EUA e outros países, menos da China porque “não tem qualidade”, escolhendo como fonte os armazéns do IFA.

Catarina Costa disse que “diminuiu muito” a oferta, porque muitos empresários encerraram os armazéns e “foram embora” pelas dificuldades económicas.

“A maioria dos armazéns estão fechados, porque, dizem eles, o negócio já não rende”, disse esta vendedeira localizada no largo do Pelourinho, centro da cidade, que comprou o último “balão de fardo” de calças dos EUA a 140 mil kwanzas (147,7 euros), esperando um lucro de 5.000 kwanzas (5,27 euros) ou 10.000 kwanzas (10,5 euros).

Já Maria Natália, actualmente com 39 anos e desde os 15 a vender fardos – um negócio que é tradição na sua família – contou que ainda assim consegue sustentar os seus cinco filhos.

Esta comerciante também tem preferência pelo “fardo” da Turquia, que adquire no IFA, porque “o fardo da China [os clientes] não compram”, por serem tamanhos pequenos, que dificilmente servem aos angolanos.

Questionada sobre quem mais compra os seus produtos, Maria Natália disse que os clientes variam, mas tem já algumas freguesas fiéis, no Ministério das Finanças, na Sonangol e vários outros funcionários da zona da baixa de Luanda, aos quais chega a fazer “kilapi” [fiado] para conseguir vender.

Os clientes preferem peças de “fardo”, porque são “roupas raras”, ou seja, não são corriqueiras e têm qualidade, podendo encontrar-se algumas marcas internacionais, justificou a comerciante.

Já Amílcar Alberto, gerente de um armazém no IFA, referiu que há quase sete meses não recebem mercadorias e estão apenas a despachar o que têm em stock, porque a importação está difícil, devido ao aumento das taxas e à crise de divisas.

De acordo com Amílcar Alberto, a taxa de importação subiu cerca de 30%, passando dos anteriores 30% para quase 60%, mantendo-se isentas dessa obrigação fiscal as organizações não-governamentais e instituições religiosas.

Além do IFA, abastece também este mercado a Cidade da China, a preços mais baixos, com “balões de fardo” de menores dimensões e pesos que variam entre os 15 e 25 quilos, comparativamente aos que vêm do ocidente, com 45 a 60 quilos, explicou Amílcar Alberto.

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